Por Carolina Moreira de França Dominguez
Advogada e Administradora; Especialista em Direito Tributário pela FGV/SP
05/11/2018
Após
o recente julgamento do Recurso Especial nº 1.221.170/PR, esperava-se
que o conceito de insumo para fins de creditamento das contribuições ao
PIS e à COFINS estivessem definidas, visto que o julgado ocorreu na
sistemática de recurso repetitivo, ou seja, que gera efeitos além das
partes de que trata a lide.
No
entanto, apesar da decisão do STJ ao declarar a ilegalidade da
disciplina de creditamento estabelecida nas Instruções Normativas da
Secretaria da Receita Federal do Brasil nº 247/2002 e 404/2002, a
delimitação do conceito de insumo ainda não está bem estabelecida.
Isto
porque, conforme o julgado acima, o conceito de insumo deve ser
analisado caso a caso levando em consideração os critérios da
essencialidade ou relevância. Assim, visando apresentar seu entendimento
sobre o julgamento em referência, a PGFN publicou a Nota SEI nº 63
datada de 26 de setembro de 2018.
A
nota é relevante uma vez que orienta os procuradores a não contestarem
nem recorrem contra decisões que versem sobre a matéria já julgada
definitivamente pelo STJ. Ao mesmo tempo, o documento esclarece que
pretende delimitar a extensão e alcance do julgado inclusive para
adequar o novo entendimento que a Receita Federal do Brasil terá que
aplicar aos casos de insumos.
Desta
forma, o documento enche de esperança os contribuintes que não terão
mais que lidar com autos de infração forçando a aplicação das Instruções
Normativas já declaradas ilegais.
Porém,
nem tudo são flores na nota publicada pela Procuradoria, que buscou
alertar os contribuintes que a análise da questão não pode ser tão rasa e
a compreensão do julgado merece um olhar mais detalhado ao acórdão.
Destacamos alguns trechos relevantes da nota:
Prevalência do Critério intermediário – nem IPI nem IR
“Convém destacar desde já que, se, por um lado, a
decisão do STJ, no recurso repetitivo ora examinado, afastou o critério
mais restritivo adotado pelas Instruções Normativas nº 247/2002 e
404/2004, por outro lado, igualmente, repeliu que fosse adotado critério demasiado elastecido(…). Destarte, entendeu o STJ que o conceito de insumos, para fins da não-cumulatividade aplicável as referidas contribuições, não corresponde exatamente aos conceitos de “custos e despesas”operacionais utilizados na legislação do Imposto de Renda.
Assim, impende ressaltar que uma das balizas do julgado é a de que não serão todas as despesas realizadas com a aquisição de bens e serviços para o exercício da atividade empresarial precípua direta ou indiretamente que serão considerados insumos, (…).”
Conceito contábil de custos e despesas operacionais – não são insumos
O destaque ao seguinte trecho do voto do Ministro Mauro Campbell Marques: “A utilização da legislação do IR também encontra óbice do excessivo alargamento do conceito
de “insumos” ao equipará-lo ao conceito contábil de “custos e despesas
operacionais” que abarcam todos os custos e despesas que contribuem para
produção de uma empresa, perdendo a conceituação uma desejável
proximidade ao processo produtivo e à atividade-fim, que é o que se
intenta desonerar, passando-se a desonerar o produto como um todo e não especificamente o processo produtivo.”
“Não
devem ser considerados como insumos as despesas com as quais a empresa
precisa arcar para o exercício das suas atividades que não estejam
intrinsicamente relacionadas ao exercício de sua atividade-fim
e que seriam mero custos operacionais. Isso porque há bens e serviços
que possuem papel importante para as atividades da empresa, inclusive
para obtenção de vantagem concorrencial, mas cujo nexo de causalidade não está atrelado à sua atividade precípua, ou seja, ao processo produtivo relacionado ao produto ou serviço.”
“É inegável que inexistem insumos em atividades administrativas, jurídicas, contábeis, comerciais, ainda que realizadas pelo contribuinte, se tais atividades não configurem a sua atividade-fim.”
Vedação expressa – ainda em vigor
“Verifica-se que as despesas que possuem regras específicas contidas nas Leis nº 10.637/2002, 10.833/2003 e 10.865/2005, as quais impedem o creditamento de PIS/COFINS, não devem ser abrangidas pelo conceito de insumos,
mesmo que, eventualmente, utilizando-se os critérios de essencialidade e
relevância ao objeto social do contribuinte, pudesse ser defendida sua
importância para o processo produtivo. Deve prevalecer o disposto na própria legislação, que impõe vedação e limite ao creditamento.”
Os trechos acima apontam ressalvas importantes que a Procuradoria faz
ao novo conceito de insumos e devem ser consideradas pelos contribuintes
ao analisar a tomada de crédito.
Importante também ressaltar afirmações da Procuradoria que estão em
linha com aquilo que os contribuintes também entendem como insumos para
fins de creditamento do PIS e da COFINS.
Teste de subtração
O
documento enfatiza o teste da subtração apresentado no voto do Ministro
Mauro Campbell Marques para que se caracterize o conceito de insumo.
Dessa forma, o teste implica na subtração de um item (bem ou serviço)
utilizado direta ou indiretamente na realização da atividade
empresarial, se a subtração do item gera a impossibilidade de realização
da atividade ou perda de qualidade substancial então deve ser considero
insumo.
Sistemática própria da não-cumulatividade para PIS/COFINS
Já
no voto da Ministra Regina Helena Costa merece luz a sistemática
própria da não-cumulatividade das contribuições ao PIS e à COFINS, uma
vez que nas palavras da ministra: “esses tributos não tem sua
materialidade restrita apenas aos bens produzidos, mas sim à aferição de
receitas, cuja amplitude torna inviável sua vinculação ao valor exato
da tributação incidente em cada etapa anterior do ciclo produtivo(…).
Não se trata, portanto, de desonerar a cadeia produtiva, mas sim o
processo produtivo de um determinado produtor ou a atividade-fim de
determinado prestador de serviço.”
Importante sublinhar que ficou afastado por completo a necessidade de incorporação do insumo ao processo produtivo.
Além
disso, a nota salienta que para Ministra Regina Helena Costa, a vedação
ao creditamento de despesas que seriam insumos ofenderia a sistemática
da não- cumulatividade das leis e comprometeria o princípio da
capacidade contributiva. Nesse diapasão, abre-se espaço para que
elementos que indiretamente participem do produto ou serviço sejam
considerados insumos.
Essencialidade e Relevância
“A
Ministra Regina Helena Costa esclarece em seu voto que o item atende ao
critério da essencialidade quando configura elemento estrutural e
inseparável do processo produtivo ou da execução do serviço ou,
minimamente, quando sua falta prive de qualidade, quantidade e/ou
suficiência. É, portanto, essencial o item, dentro do processo
produtivo, do qual dependa “intrínseca e fundamentalmente” o produto ou
serviço.
Já o item
relevante, ainda no escólio da Ministra Regina Helena Costa, é aquele
cuja finalidade, conquanto não seja indispensável à elaboração do
próprio produto ou serviço integra o processo de produção, ou pelas
singularidades da cada cadeia produtiva ou por imposição legal.”
“O julgado, todavia, não asservou a impossibilidade de regulamentação na seara administrativa.
Entende-se
possível a regulamentação para fins de aplicação da não-cumulatividade
prevista para o PIS e para a COFINS, desde que observados os parâmetros
do precedente do STJ.”
Imposição Legal – critério da essencialidade
“Há,
pois, itens dentro do processo produtivo cuja indispensabilidade
material os faz essenciais ou relevantes, de forma que a atividade-fim
da empresa não é possível de ser mantida sem a presença deles, existindo
outros cuja essencialidade decorre por imposição legal, não se podendo
conceber a realização da atividade produtiva em descumprimento do
comando legal. São itens que, se hipoteticamente subtraídos, não
obstante não impeçam a consecução dos objetivos da empresa, são exigidos
por lei, devendo, assim, ser considerados insumos.”
Assim,
resta afastada a discussão em relação aos EPI’s e outros materiais de
proteção. Em alguns casos o tribunal administrativo e os tribunais
judiciais não consideravam esses equipamentos como insumos pois não
acarretavam um prejuízo no produto. Isso gerava um tratamento não
isonômico para os contribuintes, uma vez que o critério utilizado para
considerar o item como insumo ou não dependia do julgador selecionado
para cada caso.
Conclusão
Apesar
da nota não expressar tudo que os contribuintes gostariam, é relevante
ao afastar definitivamente as Instruções Normativas e conceito
restritivo utilizado para fins de IPI.
Além
disso, a Procuradoria se compromete com a aplicação do critério
intermediário estabelecido no acórdão ao afastar a necessidade do
contato físico e reconhecer que as imposições legais devem ser tratadas
como insumos visto que o descumprimento de tal determinação implicaria
na impossibilidade da atividade produtiva.
No
entanto, importante ter em mente que o novo entendimento da
Procuradoria afasta a ótica do produtor que avalia como necessária todas
as despesas incorridas para geração de receita. O órgão deixa claro que
o conceito que será adotado é aquele baseado no critério objetivo, ou
seja, o insumo será analisado cotejando o item com a atividade principal
desenvolvida pela empresa.
Cabe
apontar que existem divergências em relação ao conceito do que seria
atividade econômica da empresa. Alguns entendem que essa denominação
abarcaria atividade além do processo produtivo em si e seria aplicável
inclusive para aos casos de revenda de mercadorias. Porém, essa
definição não foi pontuada no acórdão do recurso repetitivo e a PGFN a
rechaça por meio da nota ora analisada.
Além
disso, a Procuradoria defende que as vedações expressas de creditamento
estabelecidas nas Leis nº 10.637/2002, 10.833/2003 e 10.865/2005
continuam em vigor e mesmo na hipótese de enquadramento do item nos
critérios de essencialidade ou relevância não poderão ser considerados
como insumos para fins de creditamento.