Por Fabio Rodrigues de Oliveira
Co-Founder da Busca.Legal - 09/11/2018
Em
março/2017 tivemos o tão aguardado julgamento do Recurso Extraordinário
nº 574.706/PR, onde o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que “o
ICMS não compõe a base de cálculo para a incidência do PIS e da COFINS”.
Desfavorável
à Fazenda Pública, a decisão, com repercussão geral reconhecida, foi
muito comemorada, pois influenciaria todos os julgamentos sobre a mesma
matéria. Tanto que o principal questionamento à época se referia à
possível modulação de seus efeitos, ou seja, sobre o seu alcance em
relação aos contribuintes que ainda não haviam discutido judicialmente a
matéria.
Com a publicação da
decisão em outubro de 2017, no entanto, uma nova questão veio à tona:
qual ICMS poderia ser excluído? O destacado na nota fiscal, como
esperavam todos os contribuintes? Ou o a recolher, como passou a
entender a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) e a Secretaria
da Receita Federal (RFB)? E essa questão é de extrema relevância, pois
se for apenas o ICMS a recolher, as empresas com saldo credor não teriam
nenhuma exclusão a ser feita.
Apesar
de entender que o mais coerente seria excluir o ICMS destacado, até
para mantermos a mesma regra do IPI, confesso que não vejo nas 227
páginas da decisão a clareza que muitos propagam. Aliás, isso é o que
menos vejo, a exemplo do trecho a seguir da ementa da decisão:
1.
Inviável a apuração do ICMS tomando-se cada mercadoria ou serviço e a
correspondente cadeia, adota-se o sistema de apuração contábil. O
montante de ICMS a recolher e apurado mês a mês, considerando-se o total
de créditos decorrentes de aquisições e o total de débitos gerados nas
saídas de mercadorias ou serviços: analise contábil ou escritural do
ICMS.
E essa falta de clareza
motivou, inclusive, a PGFN a entrar com Embargos de Declaração, os quais
ainda não foram analisados pelo STF. As empresas, por sua vez, muitas
vezes sem saber da polêmica, têm partido para operacionalizar a decisão,
excluindo, na maior parte dos casos, o ICMS destacado no documento
fiscal.
Nesse sentido, vejo
oportuna a recente publicação da Solução de Consulta Interna (SCI) COSIT
nº 13/2018, pois deixa evidente a polêmica e a posição do fisco. Quanto
ao seu mérito, já foram escritos inúmeros artigos, em sua maioria
contrários ao entendimento do fisco.
O foco deste artigo, portanto, não será discutir se a SCI está correta ou não, mas apenas expor o entendimento ali contido.
A quem se destina a SCI nº 13/2018?
A
primeira questão a ser enfrentada refere-se ao público-alvo da SCI. A
consulta, que partiu de dúvidas da Coordenação-Geral de Contencioso
Administrativo e Judicial (COJAC) da própria RFB, tem por objetivo
orientar os fiscais quando aos procedimentos a serem adotados para
cumprimento das decisões transitadas em julgado em relação à exclusão do
ICMS.
Este ato, portanto, é de
observância obrigatória apenas pelos auditores-fiscais. O contribuinte,
haja vista o princípio da legalidade, não está obrigado à sua
observância. Podem então simplesmente ignorá-la? Até podem, mas desde
que cientes do risco fiscal, pois quando o fiscal for analisar o seu
crédito se pautará pelos procedimentos ali contidos.
Outro
ponto a se destacar é que a SCI só se aplica às decisões com trânsito
em julgado, ou seja, definitivas. Não alcança as liminares ou as
decisões que ainda podem ser recorridas e, menos ainda, os casos em que o
contribuinte nem começou a discutir a matéria.
É
importante destacar que quando temos uma decisão definitiva do STF, com
repercussão geral, há manifestação da PGFN e edição de Parecer
Normativo por parte da RFB. Com isso, seguindo os trâmites da Lei nº
10.522/2002, a Fazenda deixa de recorrer da matéria em que foi vencida e
os fiscais deixam de lavrar auto de infração. Ocorre, no entanto, que
no presente caso a decisão foi objeto de Embargos de Declaração pela
PGFN, motivo pela qual seus efeitos não são aplicáveis imediatamente a
todos os contribuintes, mas apenas àqueles que já tiveram uma decisão
transitada em julgado.
Dessa
forma, apesar da grande polêmica que tem gerado, a SCI é de alcance bem
restrito, pois apenas um percentual baixo de empresas já tem decisão com
trânsito em julgado. Além disso, cabe observar que a SCI só se aplica
aos casos em que a decisão judicial apenas acompanhou o STF, sem entrar
nos detalhes quanto ao ICMS que pode ser excluído. Caso a decisão tenha
sido taxativa no sentido de excluir o ICMS destacado, a RFB é obrigada a
cumpri-la, não sendo aplicável a SCI nº 13/2018.
Qual ICMS será excluído?
Conforme prevê a ementa da Solução de Consulta Interna:
a)
o montante a ser excluído da base de cálculo mensal da contribuição é o
valor mensal do ICMS a recolher, conforme o entendimento majoritário
firmado no julgamento do Recurso Extraordinário nº 574.706/PR, pelo
Supremo Tribunal Federal;
Portanto,
mesmo que você discorde desta posição – e há bons argumentos para isso
-, a RFB deixou bem claro o seu entendimento: somente o valor mensal do
ICMS a recolher é o que pode ser excluído da base de cálculo das
contribuições. O valor do ICMS destacado no documento fiscal,
consequentemente, não tem nenhuma importância para o cálculo do valor a
ser excluído das contribuições.
Em
resumo, somente ao final do mês, após a apuração dos débitos e créditos
do ICMS, é que o contribuinte terá o valor a ser excluído da base de
cálculo. E aqui um dos problemas da SCI, pois no momento de formação do
preço de venda de um produto não saberemos quanto haverá de PIS e
COFINS, pois a base de cálculo destes tributos será impactada pelo ICMS a
ser recolhido, informação que o contribuinte só terá ao final do mês.
IMPORTANTE:
considerando que devemos partir do ICMS a recolher, não interessa saber
se a operação do qual ele se originou foi tributada ou não pelo PIS e
pela COFINS. Dessa forma, mesmo o ICMS das operações de transferência
(não tributadas pelas contribuições) será considerado.
Operações impactadas pela exclusão
Uma
vez conhecido o montante do ICMS a ser excluído, é necessário
relacioná-lo a cada tipo de CST do PIS e da COFINS. É o que prevê o
trecho a seguir da SCI:
b)
considerando que na determinação da Contribuição para o PIS/Pasep do
período a pessoa jurídica apura e escritura de forma segregada cada base
de cálculo mensal, conforme o Código de Situação Ttributária (CST)
previsto na legislação da contribuição, faz-se necessário que seja
segregado o montante mensal do ICMS a recolher, para fins de se
identificar a parcela do ICMS a se excluir em cada uma das bases de
cálculo mensal da contribuição;
E a SCI ainda complementa:
c)
a referida segregação do ICMS mensal a recolher, para fins de exclusão
do valor proporcional do ICMS, em cada uma das bases de cálculo da
contribuição, será determinada com base na relação percentual existente
entre a receita bruta referente a cada um dos tratamentos tributários
(CST) da contribuição e a receita bruta total, auferidas em cada mês;
A exclusão do ICMS será feita, portanto, de forma proporcional à receita bruta de cada CST, conforme relacionados a seguir:
Código
|
Descrição
|
01
|
Operação Tributável com Alíquota Básica
|
02
|
Operação Tributável com Alíquota Diferenciada
|
03
|
Operação Tributável com Alíquota por Unidade de Medida de Produto
|
04
|
Operação Tributável Monofásica – Revenda a Alíquota Zero
|
05
|
Operação Tributável por Substituição Tributária
|
06
|
Operação Tributável a Alíquota Zero
|
07
|
Operação Isenta da Contribuição
|
08
|
Operação sem Incidência da Contribuição
|
09
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Operação com Suspensão da Contribuição
|
A SCI, a partir da página 24, nos traz exemplos que ajudam a entender essa dinâmica. Veja um caso:
Situação 2: A empresa auferiu no período receita bruta mensal de R$ 100.000,00, sendo 60% correspondente a vendas submetidas à alíquota básica da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins (CST 01) e 40% correspondente a vendas submetidas à alíquota zero da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins (CST 06). Considerando que o valor do ICMS a Recolher corresponda a R$ 10.000,00.
Tem-se então:
– Valor do ICMS a Recolher apurado no período: R$ 10.000,00
– Valor do ICMS a excluir na base de cálculo da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins correspondente ao CST 01: R$ 6.000,00 (base de
cálculo tributável de PIS/Pasep e Cofins)
– Valor do ICMS a excluir na base de cálculo da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins correspondente ao CST 06: R$ 4.000,00 (base de cálculo não tributável de PIS/Pasep e Cofins)
Vejam
que partimos do ICMS recolhido, sem analisar se o mesmo se originou de
operações tributadas pelo PIS e pela COFINS. Encontrado o valor, aí sim é
feita a segregação de acordo com a receita bruta de cada CST. O ajuste
não é feito item a item ou operação por operação. Será feito um rateio
pelo CST das contribuições.
Não
estaremos, portanto, excluindo o ICMS efetivamente incidente em cada
produto, haja vista “a completa inviabilidade de estabelecer, do valor
do ICMS a recolher em cada período mensal, a qual mercadoria, bem ou
serviço se refere, na sua individualidade”, como reconhece a própria RFB
na SCI.
Onde buscar o valor do ICMS a ser excluído?
Como
dito no início, a RFB entende que não é o valor do ICMS destacado no
documento fiscal que será excluído, mas apenas o recolhido. E para
tanto, a SCI prevê:
d)
para fins de proceder ao levantamento dos valores de ICMS a recolher,
apurados e escriturados pela pessoa jurídica, devem-se preferencialmente
considerar os valores escriturados por esta, na escrituração fiscal
digital do ICMS e do IPI (EFD-ICMS/IPI), transmitida mensalmente por
cada um dos seus estabelecimentos, sujeitos à apuração do referido
imposto;
E complementa a Solução de Consulta Interna:
e)
no caso de a pessoa jurídica estar dispensada da escrituração do ICMS,
na EFD-ICMS/IPI, em algum(uns) do(s) período(s) abrangidos pela decisão
judicial com trânsito em julgado, poderá ela alternativamente comprovar
os valores do ICMS a recolher, mês a mês, com base nas guias de
recolhimento do referido imposto, atestando o seu recolhimento, ou em
outros meios de demonstração dos valores de ICMS a recolher, definidos
pelas Unidades da Federação com jurisdição em cada um dos seus
estabelecimentos.
O caminho
prioritário, portanto, é buscar o ICMS a própria apuração da
EFD-ICMS/IPI. Neste caso, não é necessário comprovar se o valor foi
efetivamente recolhido aos cofres públicos estaduais. Não havendo a
EFD-ICMS/IPI, aí sim poderá comprovar o valor a partir das guias de
recolhimento ou mesmo em outra obrigação acessória do estado, como é o
caso da GIA em São Paulo.
Como fica na Nota Fiscal e na EFD-Contribuições?
Para
os casos em que a decisão judicial não foi explícita quanto ao ICMS que
poderá ser excluído, considerando a SCI, o contribuinte deve emitir
normalmente seus documentos fiscais, sem considerar qualquer exclusão da
base de cálculo das contribuições.
A
escrituração desse documento fiscal na EFD-Contribuições também seguirá
normal. O ajuste da exclusão será feito apenas no Bloco M (Apuração).
E, neste ponto, a EFD-Contribuições sofrerá ajustes a partir da
competência janeiro/2019, para especificar essa exclusão do ICMS.
Basicamente,
portanto, o documento fiscal será emitido e escriturado normalmente. A
base de cálculo das contribuições também chegará inalterada no Bloco M.
Na EFD-Contribuições atual, o ajuste se dará após o valor calculado das
contribuições, usando o campo 10 (Valor total dos ajustes de redução da
contribuição social apurada); e a partir de janeiro/2019 o ajuste será
feito após a base de cálculo (e antes do valor calculado das
contribuições), usando o novo campo 06 (Valor total dos ajustes de
redução da base de cálculo da contribuição). Será necessário, ainda,
escriturar os novos registros M215 e M615 para especificar o ajuste.
Somente
aquelas empresas com decisão judicial declarando a exclusão do ICMS
destacado poderão ajustar diretamente na escrituração do documento
fiscal a base de cálculo das contribuições, que, neste caso, já traria o
valor reduzido no Bloco M, não sendo necessário mais nenhum ajuste.
Outro
ponto a observar: sempre que tivermos alguma mudança na apuração, em
decorrência de uma decisão judicial, se faz necessária a escrituração,
ainda, do registro 1010 (Processo Referenciado – Ação Judicial). Também
será necessário detalhar os ajustes à base de cálculo das contribuições
no registro 1050 (Detalhamento de Ajustes de Base de Cálculo – Valores
Extra Escrituração), que será inserido na EFD-Contribuições a partir de
janeiro/2019. Nele será demonstrada a segregação do ICMS a ser excluído
entre os diversos CST.
Como será a fiscalização?
Considerando
a exclusão do ICMS recolhido, esse valor será encontrado na apuração do
imposto na EFD-ICMS/IPI. Somando os valores de todos os
estabelecimentos, teremos o montante a ser usado para rateio entre os
CST das contribuições.
Com o
novo registro 1050 da EFD-Contribuições, o contribuinte terá que
indicar, ainda, tanto o CNPJ do estabelecimento como o número de recibo
da declaração a que se refere o ajuste, possibilitando que o fisco
verifique nas EFD-ICMS/IPI se o valor do ICMS a ser excluído está
realmente correto.
Como já havia sinalizado o fisco no Parecer Normativo COSIT nº 1/2017:
A
vinculação da RFB à decisão do STF implica o reconhecimento da
inconstitucionalidade da cobrança (pagamento indevido ou a maior), mas
não implica o dever de deferir pedidos de restituição sem prévia análise
quanto à efetiva existência ou disponibilidade do direito creditório
junto à RFB.
Portanto, não é
porque você tem uma decisão judicial que o fisco simplesmente acatará o
valor que você informar nas obrigações acessórias. Ele checará se esse
valor realmente está correto e, com os controles que já tem e que
ganhará, isso ficará bem mais fácil.
Conclusão
Há
tempos não via uma medida da Receita Federal ser tão criticada.
Diariamente são publicados artigos e notícias na mídia. E isso é muito
positivo, pois os contribuintes não devem simplesmente acatar os
entendimentos do fisco.
O
objetivo deste artigo, no entanto, foi apenas apresentar o entendimento
da RFB quanto à exclusão do ICMS e evidenciar os riscos a que estão
sujeitas as empresas que adotarem caminho diverso, quando desprovidos de
uma medida judicial que especifique qual ICMS poderá será excluído.
A
decisão sobre como proceder, portanto, ficará a cargo de cada empresa,
que ponderará entre os riscos e benefícios, até que tenhamos algo mais
concreto por parte do judiciário. E, neste sentido, seria de extrema
importância termos, o quanto antes, a decisão do STF quanto aos Embargos
de Declaração impetrados pela PGFN. Afinal, após esperarmos 10 anos,
desde que essa discussão chegou ao STF, considerávamos apenas cumpri-la e
não ter que interpretá-la.